terça-feira, 31 de maio de 2011

Minutos finais.


Passos apressados ecoavam no silêncio da noite, mas não quebravam o silêncio ensurdecedor da mente. As poças de água gelada e os paralelepípedos atuavam como obstáculos de um menino que corria. Corria das pessoas. Corria dos problemas. Corria de si mesmo.
Até cair na esquina. Até cair em si. O dia daquela semana fora claro, limpo e com céu azul turquesa. A nota da prova fora vermelho sangue. O professor nunca considerava suas respostas e trabalho extra para não ficar de recuperação deixou de ser um possibilidade com a frase: " gente rica que nem você só tira nota baixa por folga".
Folga. As dificuldades, a dislexia.... não importa. Não mais. Não havia mais vermelho. Só a noite negra, a lua amarela e os prédios cinzas.
Prédios traidores! No começo, escondiam da sociedade julgadora ele e seus amigos. Amigos em pó, em erva, em comprimido. Amigos que o deixavam feliz, o faziam acreditar nas ilusões e, principalmente, o faziam esquecer. Mas eram amigos caros e estar com eles exigia cuidado. Agora, os prédios que tanto o apoiaram, o olhavam ameaçadoramente e, em cada janela, traziam olhos de julgamento.
Olhos como o do seu pai. Porque um dia ele cansou de depender dos amigos e do vermelho sangue no boletim e pediu ao pai ajuda, afinal, estava com dificuldades. Os olhos do pai faiscaram e e endureceram: "Dificuldades? Dificuldades tinha eu que precisava trabalhar para ter comida em casa! Você tem tudo o que quer! Deixa de ser vagabundo e resolva seus próprios problemas".
E quem estava lá para ajudar? Amigos. Amigos em pó, em erva, em comprimido. E prédios. Prédios que os escondiam. Mas agora a lua o sentenciava e nos prédios estava seu pai, estava seu professor. Como demônios. Demônios que se esgueiravam pelos cantos, pelas esquinas, pelos bueiros. Demônios em pó, em erva, em comprimido. Demônios do corpo e também da alma. Demônios da mente. Da mente de um menino que está morrendo de overdose.