segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Um choro no silêncio.


É fácil chorar na hora do caos.

Naquela hora que a dor, a frustração e a agonia são tamanhas que você meio que explode.
Na verdade, nem é um momento tão momentâneo, pode durar dias e até meses.
A dor é real! Ela está ali, em você, te cutucando! O choro é quase um pedido de misericórdia e, mesmo que não seja o suficiente, representa tudo aquilo que você quer que suma, que vá embora e não volte nunca mais para dentro de você.

Mas existe aquele choro sem caos. Sem dor aguda. Sem desespero.
Aquele choro que te pega de surpresa em um momento de extrema conformação.
Porque você entende, aceita. Não dói mais. Não como doía.
É um choro de um desespero tão profundo que você já sabe lidar, que não precisa mais ser gritado ao mundo para surtir efeito.
É uma ferida cicatrizada, que ninguém vê, ninguém precisa ver. Mas está ali.
É uma dor que não lateja, nem aparece no rosto. Mas que é sentida

É um choro silencioso. Um choro no canto do quarto, quando ninguém está olhando.
Um choro que é um consolo para si mesmo de que você superou a dor, mesmo sabendo que ela existe.

Um choro de quem sabe o que precisa fazer
De quem sabe que vai seguir em frente, mesmo com medo.
De quem vai correr o risco, mesmo sabendo o tanto que pode perder.

Um choro de quem já viveu o caos e sabe que agora é hora de encará-lo.

sábado, 21 de novembro de 2015

O dia que conheci o Jow


Essa história, aconteceu a algum tempo. Um tempo que eu estava longe. E quando eu digo longe, é mais do que apenas de distância. Eu estava longe desse mundo. Eu estava num momento de realizações, um momento que eu cansei de ver o mundo na minha frente e ficar parada. Eu precisava conhecer. Eu precisava viver. Eu precisa ir embora. Sempre.
Fazia cinco dias que eu tinha chegado na Bahia e tinha decidido me aventurar pelo interior dela. A Bahia sempre foi um lugar que me interessou e quis conhecê-a direito. A cultura, as pessoas, a terra. E lá estava eu! No interior.
Eu chegue naquela cidade perto da hora do almoço, depois de cinco horas em um ônibus bem ruinzinho. Era um dia quente e meu estômago doía de fome. Foi aí que eu vi uma feira. Fiquei encantada, óbvio. É aquele tipo de feira fofa, sabe? Bonitinha, tradicional, cheia de coisas interessantes. Eu comprei algumas frutas para comer e achei uma diferente, que eu nunca tinha visto antes. Assumo que não entendi quando a mulher me falou o nome, mas falei que entendi porque queria comer logo. Eu estava com fome. Muita fome.
Aí, eu sentei na guia, em um pedaço depois da feira,  sem muita gente. Comi umas bananas, uma laranja e fiquei observando aquela fruta estranha, de casca meio grossa. A verdade é que eu não fazia ideia de como comia aquilo, mas fiquei lá especulando. Eu estava bem distraída quando ele apareceu. Um homem em pé do meu lado.
Eu tenho que dizer que quando um homem maltrapilho, desses sujos e com roupas rasgadas, chegava perto de mim, eu tentava sair de perto. Mas a vida de mochileira me fez ser mais receptiva, eu já estava no meu segundo mês de mochilão, estava com calor e ainda com fome. Eu olhei pra ele como uma amiga que entende, como uma igual, e ele falou:
-Precisa de ajuda aí, moça?
Sentou do meu lado, bem ali na guia, eu ele e a minha mochila. Pegou minha fruta com um "minha mão ta limpinha, tá?", descascou e me deu com um "só comer agora". E ficou lá, me olhando, enquanto eu comia a fruta e babava e me sujava igual criança de cinco anos tomando sorvete.
Eu agradeci, ele sorriu. Ele falou do tempo, eu disse que achava que estava calor. Ele disse que eu falava estranho. Eu disse que era e São Paulo, que tinha mudado para Minas Gerais, mas que continuava com sotaque paulista. Ele riu e disse que não entendia dessas coisas não. Disse meu nome. Perguntei o dele. Ele disse "sei não".
-Como não, jow?
Ele riu, disse que "disso aí que eu falei" nunca chamaram ele não. Eu ri. Ele disse que gostou, que podia ser assim, que o som era bonito. Jow.
Ele perguntou o que eu tava fazendo lá, eu disse que saí viajar, mostrei a minha mochila para ele, minha parceira, companheira de viagens. Ele gostou. Eu contei que eu estudava arquitetura, que estava de férias e que decidi sair por aí. Ele riu e disse que não entendia dessas coisas não.
Aí eu falei:
-Ah, arquiteto faz projeto, sabe? Assim, quando o pedreiro vai fazer uma casa ou prédio, ele precisa ver tipo um desenho antes, pra saber como fazer, então, arquiteto é a pessoa que faz o desenho da casa pra pessoa que vai morar lá depois.
Aí ele ficou feliz:
-Eu tenho casa!
E me puxou pelo braço, com mochila e tudo e me levou uns três quarteirões para baixo, era tipo um beco, com uma placa de zinco no fim, um colchão velho, umas coisas jogadas. Ele olhou pra mim, como quem pede aprovação.
Eu sorri. Ele sorriu.
Eu perguntei desde quando ele morava ali.
Ele disse que não lembrava não. Lembrava que um dia tava na rua, era moleque ainda, disse que não tinha onde dormir e ia chover. Aí um homem deu a placa pra ele. Ele disse que não sabia muito das coisas não. Que as pessoas ali davam dinheiro para ele. Ele perguntou como desenhava uma casa. Eu disse que era mais difícil do que parecia. Ele achou engraçado. Aí eu falei "quer ver minha casa?". Ele me olhou desconfiado. Eu sorri e tirei a barraca das costas. Ele achou o máximo. Perguntou se eu morava lá mesmo. Eu disse que por enquanto sim, mas que as vezes dormia em pousadas, albergues... o que tivesse, mas que tinha uma casa de verdade, lá na minha cidade, com cama coberta, mamãe e papai. E ele falou:
-Mas então, tá aqui nessa sua casa esquisita por que?
Aí eu contei que aquela vida não era para mim, que eu precisa de aventura, de uma vida mais agitada. Disse que eu gostava de conhecer pessoas e lugares e que sentia uma necessidade meio inexplicável de sair por aí pelo mundo, mesmo que isso significasse ficar um tempinho longe de casa. Ele falou que eu era uma menina boba, me disse que se tivesse uma casa de verdade com cama, não ia sair nunca mais dela. Mas que daquilo, ele não sabia não, não era pra ele. Eu disse que poderia ser, disse que um dia poderia desenhar uma casa pra ele, quem sabe?
Foi aí que os olhos deles brilharam: "Verdade, moça?"
-Claro, jow. Só falta uns anos para eu me formar.
Escorreram lágrimas dos olhos do Jow. Ele disse que sempre quis uma casa de verdade, com cama e lugar de por roupas, podia ser pequena, não tinha problema.
Jow me disse que eu era uma menina boa. Disse que eu era abençoada. Disse que ia esperar ali, sabe? Na casa dele, que ele fez questão de me mostrar três vezes como chegava lá, para eu não esquecer quando fosse levar o desenho da casa para ele.
Eu fui embora dali naquela tarde, depois de ainda conversar muito com o Jow.
Mas dessa vez, eu estava diferente. Sabe, eu amo ir embora, amo mesmo. Acho que a sensação de ir embora é uma das mais maravilhosas, aquela sensação de uma nova aventura. Em toda cidade que eu passava, eu saía com uma vontade maior de ir embora, com mil motivos para querer conhecer outros lugares incríveis, outras pessoas incríveis. Mas essa era a primeira vez que eu ia com a felicidade de saber que um dia eu iria voltar. Ia voltar para a minha casa. Ia voltar para a faculdade. Ia voltar para a minha vida. Eu estava feliz, porque ia voltar a estudar, ia me formar. Ia ser uma arquiteta.
Eu estava feliz, porque tinha mais de mil motivos para ir, mas o Jow tinha me dado um para voltar. Sim, eu precisava voltar, porque precisava levar o desenho de uma casa para o Jow.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015



Às vezes, a gente perde a fé e não vê mais sentido. Às vezes, as pessoas nos decepcionam de tal forma, que a gente acha que o mundo não merece nosso amor e nós vemos um mundo tão absurdo que nem toda a nossa fé suporta a realidade.
Às vezes, as certezas simplesmente desaparecem e eram só elas que nos faziam seguir em frente. Às vezes, as pessoas são tão ruins, que o contato com elas é questionável e as certezas viram todas ilusões.
Só que de repente, meio que por acaso, perdido no tempo e no espaço, aparece um talvez.
E esse talvez muda tudo.
Porque ninguém é totalmente ruim e nada é totalmente mentira.
E se todas essas pequenas partes, todos esses pequenos "talvezes" decidissem se juntar? Talvez, mas só talvez, surgisse algum sentido.
Quando a gente se prende demais nas certezas e elas acabam, a fé vai embora. Mas quando há um talvez, um só, por menor que seja, há esperança! E onde há esperança, há amor.

E foi preciso estar longe, foi preciso estar com gente que eu não sabia que existia, para ver que "talvezes" podem existir quando todas as certezas acabam. Foi preciso trocar a certeza de um sol que ia nascer para um talvez. Foi preciso um mundo onde todos os talvezes possíveis, onde todas as pequenas partes boas se unissem, para que a esperança voltasse.

Sim, foi preciso. Foi preciso tudo isso para saber que nem toda a tristeza do mundo, nem toda a decepção do mundo, seria maior do que o meu amor.

domingo, 8 de novembro de 2015

Coletânea de textos não publicados.

"Para, mundo. Para, por favor.
Para, porque eu preciso ir e não consigo com vocês aí.
Parem, parem de falar.
Não há sentido, não há.
E eu não posso parar de escutar.
Parem, parem com essas horas e com essas regras.
Vocês também não querem seguir, ninguém quer e quem criou não está mais aqui.
Então para, para agora. Já está tarde e eu preciso ir. Mas não dá se vocês continuarem aqui.
Não dá, porque vocês me prendem.
Então parem, por favor.
Parem de me prender.
Porque já está tarde e eu preciso ir".
- Para, 31 de agosto de 2013




"Ela não entendia.
Sentada no chão, numa cidade afastada, no escuro, escutando música.
Ela não entendia.
Ela queria largar a faculdade, os amigos, a família.
Ela queria largar as roupas, a televisão e a agenda.
Ela queria ir embora.
Com a mochila, o All Star e alguns livros. E claro, com o mp3 e o fone.
Ela queria o mundo. Ela queria ver o mundo. Andar sobre o mundo.
Ela queria conhecer pessoas, pessoas que marcassem um lugar visitado e que tivesse uma música que sempre a faria lembrá-las.
Ela queria sentir saudades. Saudades de tempos que não fossem mais voltar.
Mas não saudades de um tempo bom, na expectativa de que houvessem melhores; mas sim de que já estivesse vivendo os melhores.
Mas, mais do que tudo, ela queria ir embora!
Diversas vezes!
Queria chorar por estar sempre indo embora, porque ela amava mudar.
Sabia que ia sentir saudades, sabia que não veria mais aquelas pessoas... mas amava ir. Só ir.

Mas só queria. Porque não ia.
E ela não entendia".
- Só ir, 3 de março de 2013



"Fui formado para o sistema. Fui formado para ser o melhor no sistema. E sempre fui o melhor no sistema. Infelizmente, isso nunca foi o suficiente.
Não foi o suficiente porque eu não fui formado para aceitar o sistema, não fui educado para lutar pelo sistema.
Mas sim para mostrar como ele é falho. Fui criado para ser perfeito e mostrar o quanto essa perfeição é errada.
Porque é fácil para quem está fora do sistema criticá-lo, é fácil porque a maioria é incompetente e acha na crítica uma fuga.
No entanto, quando alguém realmente se destaca, quando alguém realmente mostra que é competente o suficiente para aquilo e a revolta não é simplesmente uma fuga... existe fundamento.
O mundo quer pessoas eficientes. E para isso, criam humanos como máquinas. Um ser humano criado como humano que não chega ao potencial das máquinas, não teria a menor moral de criticá-las. No entanto, um ser humano criado como humano e melhor do que muitas máquinas faz com que as coisas mudem.
E foi por isso que me criaram! Me criaram para ser um humano, criado como um humano, que entrasse no sistema e fosse realmente bom no que eu julgo errado. Me criaram para ser bom o suficiente para depois da vitória conseguir mudar as regras do jogo.
Mas chega um ponto que a cada regra cumprida é uma ferida na alma. Cada ordem aceita é uma facada no espírito revolucionário. E a vitória só faz o peso na consciência ser cada vez maior, afinal, para ser melhor do que as máquinas, muitos humanos devem ser deixados para trás".
- Sistema de almas, 28 de novembro de 2012